A crença na objetividade, na neutralidade e na universalidade do saber científico que marcou a história no século XX está na base de nossas práticas educativas em saúde, usualmente voltadas para a prescrição de comportamentos tecnicamente justificados como únicas escolhas possíveis para o alcance do bem estar de todos os indivíduos, independentemente de sua história de vida.
Essa visão gerou modelos educativos que visam convencer cada indivíduo a mudar seus comportamentos a partir de alertas sobre os riscos à saúde e de transmissão de informações técnico-científicas, deixando em segundo plano, ou desvalorizando, a sabedoria prática dos indivíduos e das comunidades, suas experiências prévias e sua situação social.
Incorporamos à nossa cultura a suposição de que comportamentos que não são orientados pelos padrões científicos são insuficientes, insalubres e inadequados, constituindo os chamados comportamentos de risco. Segundo essa forma de entender a questão, correr riscos é sinal de “ignorância, fraqueza, falta de interesse no cuidado de si” e a aprendizagem das formas “certas” de viver depende da transmissão de um conhecimento especializado para uma “população leiga”, que precisa “desaprender” grande parte do aprendido no cotidiano da vida. (Meyer et al, no prelo)
Até hoje, permanece entre nós a idéia de que a “falta de saúde” é um problema que pode ser solucionado a partir de informações adequadas e/ou da vontade pessoal. Estamos vivendo uma corrida em busca de dinâmicas para estimular a participação em atividades e programas cujos objetivos continuam voltados para o ensino de comportamentos pré-definidos como saudáveis. Entretanto, diversos estudos sobre o impacto de programas de educação sexual voltados para adolescentes vêm mostrando que as estratégias de prevenção inspiradas nessa idéia não retardam a iniciação sexual, não aumentam o uso de métodos contraceptivos entre homens ou mulheres jovens, nem reduzem a gravidez na adolescência, objetivos freqüentes dos programas implantados. (DiCenso e Grifh 2002)
Estamos nos dando conta de que a informação científica, embora seja um direito, não é uma verdade que orienta escolhas racionais nem é suficiente para aumentar a liberdade de decisão das pessoas. Com certeza as formas de conduzir a vida podem ser beneficiadas pelo saber científico, mas é necessário que ele seja capaz de dialogar com o saber prático das pessoas e grupos, oferecendo elementos que possam fazer sentido no universo cultural e nos projetos de vida das pessoas envolvidas. Esse diálogo envolve o reconhecimento de que os conhecimentos sobre comportamentos considerados saudáveis são muitas vezes contraditórios e transitórios, não podendo ser encarados como verdades universais e permanentes.
É necessário, portanto, reavaliar as potencialidades e os limites da educação preventiva, questionando profundamente seus objetivos e buscando referenciais mais eficazes e éticos para realizar a prevenção e a educação em saúde. O conceito de vulnerabilidade e a estratégia da intersetorialidade devem ser utilizadas como ferramentas centrais para a abertura de novos caminhos.
(Extraído do “Guia para a formação de profissionais de saúde e de educação – Saúde e prevenção nas escolas” – Série manuais n° 76 – Ministério da Saúde/Ministério da Educação/UNESCO/UNICEF/UNFPA – 2007)